Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
A família acima de tudo, Deus acima de todos”: ataques à população LGBTQIAP+ pelo bolsonarismo
Maria Rita Suassuna Holanda
Faculdade Evolução Alto Oeste Potiguar – FACEP
Maria Vitória Nunes Souza
Proteção Social Especial da Assistência Social
Resumo: A população LGBTQIAP+ tem sofrido, historicamente, diversos sofrimentos ético-políticos (Sawaia, 2001), em virtude de perseguições LGBTfóbicas. No governo Bolsonaro, utiliza-se de estigmas construídos sobre a população como meio para promoção política, prática totalmente contrária à direção dos direitos humanos. O presente trabalho visa analisar como os discursos de ódio às pessoas LGBTQIAP+ são utilizados pelo governo de Jair Bolsonaro, ao se posicionar defensor da “família tradicional”. Assim, teceremos uma análise sobre os fatores histórico-sociais que estão envoltos ao ódio às pessoas não-cisheteronormativas, e sobre os impactos nesses corpos dissidentes. Por fim, comentaremos o papel da psicologia diante da problemática. Como explicitado por Filho et al. (2018), utilizou-se para a eleição do governo Bolsonaro discursos vilanescos à população LGBTQIAP+ ao estabelecê-la como inimiga da família tradicional brasileira. Essa posição não corresponde a uma particularidade atual, ela vem de lógicas anteriores, mas o governo apropriou-se e intensificou ainda mais os posicionamentos. Sócio-historicamente foi estabelecida uma norma de sexo-gênero-desejo colonial (Butler, 2021). Nesse sentido, a dita família tradicional, para Dias (2017), seria constituída pelo público normativo colonial. Essa noção de família é sustentada por três vieses: patriarcado, racismo e cristianismo (Cisne, 2015; Dias, 2017; Gonzalez, 1984). O primeiro termo refere-se a um modelo familiar em que o homem estaria na posição de domínio de posses, dentre elas a esposa e filhas (Beauvoir, 2019). O racismo atrela-se à estrutura por impor o modelo ideal familiar como o branco, no qual a mulher negra não ocupa a posição de um sujeito digno para casar, mas apenas para “fornicar” (Gonzalez, 1984). Ademais, essa constituição de família patriarcal-racista advém de um contexto de adequação à propriedade privada, fortalecendo o capitalismo e sua manutenção (Cisne, 2015). O cristianismo, apesar de não ser o fundador dessas estruturas patriarcais-racistas, legitimou esse modelo familiar ao trazer em sua moral posicionamentos essencialistas sobre a divisão dos sexos respondendo, com isso, aos papéis de gênero na perspectiva binária (Dias, 2017). Nota-se que o próprio lema do governo “A família acima de tudo, Deus acima de todos” traz dois fatores primordiais: a família (tradicional) e o Deus (cristão). O bolsonarismo sustentou e fortaleceu a falácia através de fake news, por exemplo, a do “Kit Gay” que reafirmava a posição de vilão das pessoas LGBTQIAP+ (Filho et al., 2018). Estes discursos reverberam na vida da população através da morte, seja ela física ou simbólica, assim como escancaram os dados: Segundo o Grupo Gay da Bahia (2022), no Brasil, em 2021, 300 pessoas LGBTQIAP+ foram vítimas de morte violenta. A posição dos sujeitos LGBTQIAP+ como inimigos exemplifica o que Sawaia (2001) nomeia como sofrimento ético-político, uma vez que se ressalta a inferioridade dessa população ao colocá-los numa categoria discursiva de “pragas” por não só subverterem o ideal da família tradicional, mas, inclusive, por resistirem às tentativas de aniquilamento (CFP, 2019). A psicologia, enquanto uma ciência não neutra, deve-se colocar contrária a esses discursos violentos como convocado pelo código de ética profissional. É preciso atentar-se, portanto, à desconstrução do ideal acerca da família tradicional brasileira como única possibilidade de construção de laços, assim como de discursos políticos alienadores como manobras para reeleição. Assumir postura contrária à normativa-aniquilante diz de práticas cruciais para o contexto sócio-político vigente na profissão, e, principalmente, para o respeito às formas plurais de existência.
Referências
Beauvoir, S. (2019). O segundo sexo: fatos e mitos. (5ª ed.). Nova Fronteira.
Butler, J. (2021). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. (21ª ed.). Civilização Brasileira.
Cisne, M. (2015). Feminismo e consciência de classe no Brasil. Cortez.
Conselho Federal de Psicologia. (2005). Código de ética profissional do psicólogo. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf
Conselho Federal de Psicologia. (2019). Tentativas de aniquilamento de subjetividades LGBTIs. CFP. https://site.cfp.org.br/publicacao/tentativas-de-aniquilamento-de-subjetividades-lgbtis/
Dias, T. B. (2017). A defesa da família tradicional e a perpetuação dos papéis de gênero naturalizados. Mandrágora, 23(1), 49-70. https://doi.org/10.15603/2176-0985/mandragora.v23n1p51-72
Filho, E. M. A. M., Coelho, F. M. F, & Dias, T. B. (2018). “Fake news acima de tudo, fake news acima de todos”: Bolsonaro e o “kit gay”,“ideologia de gênero” e fim da “família tradicional”. Correlatio, 17(2), 65-90. https://doi.org/10.15603/1677-2644/correlatio.v17n2p65-90
Gonzalez, L. (1984). Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, 223-224.
Grupo Gay da Bahia. (2022). Mortes violentas de LGBT+ no Brasil: relatório 2021. GGB. https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2022/03/mortes-violentas-de-lgbt-2021-versao-final.pdf
Sawaia, B. (2001). O sofrimento ético-político como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. (97-118). In B. Sawaia (Org.), M. B. Wanderley, M. Véras, D. Jodelet, S. Paugam, T. C. Carreteiro, S. L. Mello, P. A. Guareschi. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. (2ª ed., pp. 97-118). Vozes.
Palavras-chave: Conservadorismo; LGBTfobia; Família tradicional brasileira.