Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO 

VOL. VIII, 2022

PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS

ISSN 2965-226X

A resistência intelectual negra de Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro: olhar interseccional como práxis crítica 

Stephanie Caroline Ferreira de Lima (Universidade Federal do Ceará)

Resumo: O presente trabalho, a ser apresentado na modalidade de comunicação oral do eixo temático “A Psicologia Social e a reconstrução do Brasil: lutas, atuação profissional e construção de conhecimento"" do VIIl Encontro Regional Nordeste da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), tem como objetivo discutir sobre a resistência intelectual negra para as críticas ao racismo, ao sexismo e ao capitalismo, focando em produções de Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro, feministas brasileiras. Vale, antes de mais nada, apresentá-las de forma resumida. Filósofa e antropóloga, Lélia Gonzalez viveu a maior parte de sua vida na capital do Rio de Janeiro, onde foi professora no Ensino Médio e na universidade, cofundadora do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras (IPCN-RJ) e pesquisadora sobre a cultura afro-latino-americana após o período da Ditadura Militar Brasileira (1964-1985). A filósofa paulista Sueli Carneiro é, por sua vez, fundadora do Geledés – Instituto de Mulher Negra e tem uma carreira acadêmica e militante muito premiada. Ambas são pioneiras na inserção de debates sobre racismo e sexismo nas lutas acadêmico-políticas em prol dos direitos humanos no Brasil (CARNEIRO, 2011). O tema escolhido tem relação direta com a pesquisa de doutorado que estou realizando sob orientação do Prof.ª Dra. Deborah Antunes, na qual tenho localizado as reflexões destas e outras autoras quanto às demandas feministas contemporâneas. Para isso, utilizo os argumentos de Patricia Hill Collins (2022) sobre a interseccionalidade como ferramenta analítica e práxis que vêm amadurecendo e tomando forma de teoria social crítica, com uma pluralidade de temas, métodos de estudo e propostas de intervenção. Uma perspectiva crítica que, nomeada por Kimberle Crenshaw (1991), tem sido amplamente utilizada como o compromisso ético-político com grupos subalternizados (COLLINS, 2022). A relevância do tema diz respeito ao modo como as categorias de “raça, classe, gênero, idade, estatuto de cidadania e outras posicionam as pessoas de maneira diferente no mundo” (COLLINS; BILGE, 2021, p. 33), algo que tem relação direta com a resistência das autoras frente à episteme eurocêntrica dominante, produzindo teorizações “de baixo para cima”, ao invés de reproduzirem modelos de pensamento que comumente levam à naturalização da maneira como a realidade se apresenta em diferentes contextos sociais (COLLINS, 2022). Pelo fato de a resistência intelectual de feministas negras ter como ponto de partida denunciar as condições de existência e promover possibilidades de autodeterminação, representação política e visibilidade, elas voltam nossa atenção, desde meados dos anos 80 (GONZALEZ, 1988), para a construção histórica das desigualdades sociais e de violências como o racismo e o sexismo, sendo Lélia Gonzalez (2020) e Sueli Carneiro as primeiras a analisá-las enquanto opressões que acontecem simultaneamente e que podem ser compreendidas de forma articulada. Isso porque, apesar de muitos coletivos de mulheres brancas terem contribuído no processo de redemocratização do Estado nos anos 1980 e com a elaboração de políticas públicas nos anos seguintes, o ponto de vista eurocêntrico e universalizante levou à imposição do “silêncio sobre outras formas de opressão que não somente o sexismo, [algo que] vem exigindo a reelaboração do discurso e práticas políticas do feminismo” (CARNEIRO, 2003, p. 118). Há, portanto, a necessidade de enegrecer o feminismo, como Carneiro (2003) propõe, tanto na universidade quanto nas ruas – e também nas redes –, para diversificarmos as vozes que ouvimos, as experiências que acessamos e as referências utilizadas em nossas produções, para promover a igualdade de gênero e a luta antirracista a um só tempo. Outro indicativo da urgência de potencializarmos nossas ações coletivas, a meu ver, é a ascensão da extrema direita no Governo Brasileiro, visto que causou aumento da concentração de renda na elite do país, insegurança alimentar à maioria da população, precarização do trabalho e desinvestimento na Educação e na Saúde durante a pandemia de Covid-19, para citar apenas alguns exemplos da crise política que estamos enfrentando. Ao invés de reforçar concepções tradicionais – lineares e não localizadas – sobre os movimentos sociais ou acusar o olhar interseccional de ser particularista (COLLINS, 2022), acredito que as autoras mostram quem é colocada de fora. A mulher negra reivindica espaços de escuta.


REFERÊNCIAS:

CARNEIRO, Sueli. Mulheres em movimento. Estudos Avançados, v. 17, n. 49, pp. 117-133, 2003.

CARNEIRO, Sueli. Racismo e sexismo na sociedade brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2011.

COLLINS, Patricia Hill; BILGE, Serma. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021. 

COLLINS, Patricia Hill. Bem mais que ideias: a interseccionalidade como teoria social crítica. São Paulo: Boitempo, 2022.

CRENSHAW, Kimberlé. Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence Against Women of Color. Stanford Law Review, v. 43, n. 6, pp. 1241-1299, jul. 1991.

GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 1, n. 92/93, pp. 69-82, jan./jun. 1988.

GONZALEZ, Lélia. A mulher negra na cultura brasileira. In: RIOS, Flávia; LIMA, Márcia (Orgs.). Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. Rio de Janeiro: Zahar, 2020..


Palavras-chave: Psicologia Social; interseccionalidade; feminismo negro; resistência intelectual; desigualdade social.

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