Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO 

VOL. VIII, 2022

PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS

ISSN 2965-226X

Contribuições da psicologia latino-americana para uma teoria crítica interseccional e descolonial

Carlos César Barros (UEFS)

José Fernando Andrade Costa (UEFS)

Stefanie de Almeida Macêdo (UFC)

Resumo: O objetivo deste minicurso é apresentar a tese de que a Psicologia Social Crítica latino-americana, mais precisamente a Psicologia da Libertação, apresenta-se como um referencial central para a descolonização da teoria crítica em uma reformulação interseccional. A teoria crítica, em sua versão frankfurtiana, pode ser caracterizada como um projeto filosófico e de pesquisa interdisciplinar que reconhece seus condicionamentos históricos e problematize, portanto, sua finalidade emancipatória. Desde suas origens o Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt deu destaque à Psicologia Social como uma das ciências particulares essenciais à compreensão das dinâmicas políticas de resignação ou de luta social. Numa abordagem alternativa à hegemonia do funcionalismo estadunidense, o destaque foi dado ao freudo-marxismo de Fromm, passando por um retorno crítico a Freud nos estudos de Horkheimer, Adorno e Marcuse. Nos anos sessenta, Habermas reformula as questões centrais da teoria crítica frankfurtiana, o que afeta diretamente a relação desta com a psicologia, dando destaque agora à psicologia do desenvolvimento moral de Piaget e de Kohlberg. Nessa época também surgiram importantes contribuições de teóricas críticas feministas como Benhabib, Fraser e Cornell. A relação entre esfera pública e esfera privada precisava ser revista para superar a invisibilização da exploração das mulheres. Angela Davis, orientanda de Marcuse, destacou-se como porta-voz do feminismo negro. Uma nova geração frankfurtiana, que desponta entre os anos oitenta e noventa, incorpora os debates feministas. A influência da psicanálise segue nos trabalhos de Honneth, mas agora baseada numa psicanalista feminista: Jessica Benjamin. Cresce, também, a influência da psicologia social pragmatista de Mead e Dewey. No Brasil, temos a relevante contribuição da psicologia social do racismo com Iray Carone e Cida Bento. Mais recentemente, Patricia Hill Collins defende uma epistemologia interseccional em diálogo crítico com a Escola de Frankfurt. A interseccionalidade aborda o capacitismo, o que nos remete aos estudos brasileiros de Crochík sobre preconceito e deficiência. Por outro lado, existem severas críticas ao eurocentrismo frankfurtiano, mesmo que Adorno e Benjamin tenham sido reconhecidos como influências diretas de autores do pós-colonialismo. Ou seja, tais críticas buscam apontar para os limites de uma teoria crítica que carrega também um potencial descolonizador. Uma possível resposta veio da retomada da crítica ao capitalismo por Fraser e Jaeggi. Elas enfatizam a necessária crítica da exploração e da expropriação que estão diretamente vinculadas ao racismo, ao sexismo e à Colonialidade, oferecendo atenção à morada oculta do marxismo em elementos que foram marginalizados na análise social. Um diagnóstico social interdisciplinar, hoje, deve estar atento a tais temas. Mas será que as novas frankfurtianas trouxeram alguma inovação no campo da psicologia? Allen, que critica o eurocentrismo de Habermas e Honneth, propõe um retorno a Adorno e Foucault na filosofia, e à psicanálise kleiniana. Fraser e Jaeggi dão poucas pistas de como a Psicologia se faz presente em seus projetos teóricos ou práticos. Nosso minicurso apresentará esse cenário e a tese de que temos uma importante produção na Psicologia Social Latino-Americana que pode contribuir com as discussões mais avançadas da teoria crítica contemporânea. A Psicologia da Libertação, proposta por Martín-Baró, e desdobrada em psicologia comunitária por Maritza Montero, carrega consigo um contraponto importante à Escola de Frankfurt. Se, por um lado, ela se constitui a partir de leituras diretas de Marcuse, ela se desenvolve fazendo um importante debate sobre a linguagem, a comunicação e o desenvolvimento moral, tal como Habermas. Os conceitos de ação e ideologia, não por acaso, tornam-se centrais nessas duas tradições. Um crescente interesse pelas relações sociais cotidianas, pelo mundo da vida, são comuns a Habermas, Honneth e à psicologia comunitária, em uma trama conceitual muito promissora para uma atualização teórica e empírica. A proposta ético-política da psicologia da libertação, a opção pelos condenados da terra, que remete à máxima benjaminiana de esperança nos desesperançados, tal como ao diagnóstico fraseriano do capitalismo, encontra uma expressão precisa na interseccionalidade, com seu compromisso fundamental com a justiça social. Se temos uma psicologia com uma herança teórica e prática que condiz com o projeto crítico contemporâneo, por que insistir em teorias psicanalíticas ou psicológicas distantes dos oprimidos em suas elaborações? Se, por outro lado, nossas teorias ainda se baseiam em referenciais criticáveis, como a cognição social ou a fenomenologia construcionista, que contribuições a virada pragmática de Habermas, Honneth, Fraser, Jaeggi e Collins pode trazer para uma psicologia da libertação ainda mais potente?

Palavras-chave: teoria crítica; interseccionalidade; psicologia da libertação.

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