Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
Aspectos interseccionais na análise de narrativa em Carolina Maria de Jesus e Maura Lopes Cançado
Stefanie de Almeida Macêdo (Universidade Federal do Ceará)
Resumo: A proposta de trabalho aqui apresentada parte das reflexões tecidas ao longo da pesquisa de mestrado intitulada "Um teto para Carolina e Maura: uma reflexão sobre a crítica à forma de vida capitalista na narrativa autobiográfica de mulheres", desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob orientação do Prof. Dr. Aluísio Lima. A pesquisa, que tem como objetivo a compreensão das expressões em primeira pessoa das escritoras Carolina Maria de Jesus e Maura Lopes Cançado como manifestações de sentimentos de injustiça e crítica à forma de vida capitalista, girou em torno de analisar estas narrativas realizadas em diários escritos ao longo das décadas de 1950 e 1960 a partir de uma constelação de ideias presentes na teoria crítica da sociedade, nas teorias feministas e na crítica literária. Para tanto, compartilhamos das reflexões de Walter Benjamin, Theodor Adorno, Axel Honneth, Rahel Jaeggi, Nancy Fraser, Sueli Carneiro, Lelia Gonzalez, Maria Aparecida Bento, entre outras, para tecer o fundamento teórico deste percurso. Nesse sentido, nos deparamos com a resistência operada pelas vozes marginalizadas, que ecoam da favela ou do hospício – como é o caso de nossas interlocutoras, e se manifesta de forma fragmentada nas narrativas cotidianas que aparecem em seus diários. Ao longo dessa investigação, para além dos naturais temas da loucura e da fome que atravessam de forma pungente as narrativas de nossas autoras, também analisamos as formas como os marcadores de gênero, raça, classe, bem como as experiências de sofrimento decorrentes das condições objetivas, se colocam como fatores presentes em suas palavras. Para tanto, foi necessário considerar a maneira como estes marcadores se interseccionam e apresentam aproximações e distanciamentos para as experiências vividas por Carolina e Maura, que partilham, em comum, o marcador do gênero. Ambas, mulheres, se viram, ao longo de toda sua experiência cotidiana vinculadas às expectativas normativas e pretensões vinculadas ao ser mulher no Brasil, entretanto, em detrimento dos demais marcadores sociais que se interseccionam em suas experiências, as concepções de Carolina e Maura sobre ser mulher não podem ser generalizadas ou tomadas como equivalentes somente por terem este signo em comum. Nesse sentido, é fundamental considerar a forma como outros marcadores sociais, como raça e classe, se intercruzam na experiência destas mulheres, e trazem distinções em suas percepções e possibilitam a reescrita de uma história a partir das palavras que advém das vozes esquecidas e marginalizadas de nossa sociedade. A questão do gênero é vivida de forma bastante distinta entre as duas e este foi um dos aspectos fundamentais de nossa investigação, que tratou de compreender como aspectos como a pobreza, a branquitude e o racismo atravessaram a experiência generificada das duas autoras. Também compreendemos a forma como os sentimentos de injustiça ganham corpo na manifestação contra opressões de diversas ordens que atravessam a existência de Carolina e Maura, concebendo expressões de experiências que ainda se manifestam no momento presente e que se colocam, inclusive, como possibilidade de narração de uma história nacional distinta do discurso oficial e hegemônico. O trabalho corresponde ao Eixo 2 - A Psicologia Social e a reconstrução do Brasil: lutas, atuação profissional e construção de conhecimento, considerando que as possibilidades de leitura da realidade social brasileira que se apresentam nas narrativas de Carolina e Maura se colocam, também como possibilidade de reconstrução do olhar da Psicologia Social aqui praticada.
Palavras-chave: interseccionalidade; narrativa; feminismo.