Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
Uberização do trabalho: uma análise das produções científicas brasileiras
Leonara Raquel da Silva Rebouças (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Joan David Alves de Barros (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Resumo: No início da década de 1970, o sistema capitalista, abalado pela crise em escala global, inaugurou uma fase de reestruturação do trabalho em busca de recuperar o domínio no âmbito econômico, político e social, e atingir um novo patamar de acumulação. Assim, aliado à incorporação das tecnologias, o capitalismo reinventa formas de produzir capital por meio da exploração da classe trabalhadora. Nesse contexto, a modernização e o desenvolvimento são usados como justificativa para mascarar a precarização e a desestruturação do trabalho. A partir dessas transformações nas relações laborais, surge o termo uberização que é utilizado para designar um determinado modelo de gestão e controle da força de trabalho através de plataformas digitais, que tornou-se popular através da empresa Uber que presta serviços de transporte urbano. Diante desses fatores, tivemos como objetivo a análise das publicações sobre a temática, através de uma revisão bibliográfica, com o intuito de identificar o fenômeno e compreender os seus desdobramentos a partir da realidade brasileira. Para tanto, realizamos uma consulta na biblioteca virtual Scientific Electronic Library Online SciELO Brasil, no qual foi utilizado como critério para a seleção artigos cujas palavras-chaves possuíam os descritores: uberização e trabalho. Assim, foram selecionadas doze produções brasileiras, publicadas entre 2019 e 2022. Conforme sugere a consulta, a temática é bastante ampla e, por conta disso, é objeto de estudo de diversas áreas como a Administração, as Ciências Sociais e a Psicologia. Identificamos que a uberização é frequentemente associada à ideia de flexibilização do trabalho, no qual permitiria o trabalhador a oportunidade de montar seus próprios horários. Na realidade, essa é uma das diversas formas de trabalho precarizado da lógica neoliberal, que estimula a ausência de vínculo trabalhista e a supressão de direitos como seguridade, remuneração fixa e justa e férias pagas. Trata-se então de um modelo no qual as empresas são as únicas beneficiadas, por não assumir nenhum tipo de responsabilidade pelo funcionamento e colocar em risco os direitos e a saúde dos trabalhadores. Além disso, nota-se que a emergência desse tipo de organização do trabalho ocorre mediante a expansão da Internet em todas as dimensões de nosso cotidiano, sobretudo na prestação de serviços, como entregas e viagens de carro, aluguel de imóveis por temporada, entre outros. Entretanto, algumas publicações defendem que essa tendência a plataformização redesenha velhas, e precárias, raízes históricas das relações de trabalho, isto é, não fazem parte apenas dos processos atuais. Observamos ainda que parte das produções analisadas abordam o aprofundamento dessa uberização durante a pandemia do novo coronavírus e pontuam os impactos para o futuro das relações de trabalho e seus trabalhadores. Nesse período houve a perda de postos formais de trabalho, com isso, a prática informal se apresenta como uma alternativa de sobrevivência mediante a inabilidade do sistema capitalista vigente em comportar os trabalhadores disponíveis. A área da saúde foi particularmente afetada por esse modo de gestão do trabalho com a introdução da telemedicina, ou seja, os atendimentos médicos realizados de maneira virtual por meio de plataformas. Embora essa situação tenha sido agravada no cenário pandêmico, a telemedicina já era presenciada em vários países, o que reforça a tendência a plataformização do trabalho. Concluímos que apesar da centralidade e urgência no contexto atual, o debate acerca do tema ainda é recente, o que justifica a quantidade limitada de publicações na área da Psicologia, sobretudo em relação à saúde do trabalhador. No entanto, com os dados observados, é possível perceber a relação inerente entre a uberização, a precarização das condições de trabalho e a desarticulação da classe trabalhadora. Portanto, as produções proporcionam um espaço rico de discussões e análises essenciais para a construção de possibilidades de ação e resistência contra esse esfacelamento das relações de trabalho no sistema neoliberal.
Palavras-chave: Uberização; Precarização do trabalho; Neoliberalismo.