Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO 

VOL. VIII, 2022

PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS

ISSN 2965-226X

PRODUÇÕES DE ENCARCERAMENTO E LIBERDADE DE ADOLESCENTES NO BRASIL: escurecendo discussões com epistemologias contra coloniais

Luane Macedo Souza Pereira Universidade Federal de Pernambuco

Resumo: Este trabalho tem por objetivo propor uma ciranda de saberes sobre as construções contracoloniais no campo das medidas socioeducativas no Brasil, construindo um marco teórico e prático que permita outros modos de pensar as vidas de adolescentes negros na relação com a lei e com práticas de cuidado a partir de territórios vivenciais e intelectuais aquilombados. Para alguns autores, especialmente Achille Mbembe, o colonialismo fez com que, historicamente, a privação de liberdade de povos africanos e indígenas nas Américas fosse instaurada, sendo ainda hoje uma prática constitutiva da política de estado para “socioeducar” adolescentes a quem se atribui o cometimento de atos infracionais. Como continuidade desse projeto colonial, mesmo havendo uma diretriz de priorização das Medidas Socioeducativas em meio aberto em detrimento daquelas em meio fechado, o índice de encarceramento de adolescentes privados de liberdade cresce a cada ano, sendo sua maioria negra, de baixa escolarização, baixa renda e periferizada. Ao interpelar esse cenário racista, punitivista, necropolítico e genocida, Dudu Ribeiro, idealizador da Iniciativa Negra por uma Nova Política Sobre Drogas, conta em uma roda sobre antiproibicionismo (no 4º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental, Universidade Federal da Bahia, Salvador em 2019) que é preciso inventar novos pontos de partida para que possamos avançar nas lutas e reparação para a população negra. Sendo assim, com este trabalho – parte de dissertação de mestrado em construção –, se pretende não só pesquisar o encarceramento de adolescentes negros, mas também nos debruçar sobre as seguintes questões: quais tecnologias de produção de vida e liberdade existem em territórios cerceados pelos dispositivos coloniais de vigilância e punição? Que resistências essa população produz? Diante dessas questões, recorremos às epistemologias contracoloniais e afrodiaspóricas como agenciamento de resistências no campo teórico-político da Psicologia, escavando saberes capazes de dar vazão a diferenças que escapam teórica, política e esteticamente às fronteiras impostas pela atitude policialesca das epistemologias hegemônicas. Nêgo Bispo, lavrador e mestre de saberes no Quilombo Saco do Curtume, que fica no sertão do Piauí, entende por colonização, todos os processos etnocêntricos de invasão, expropriação, etnocídio, subjugação e sobreposição de uma cultura por outra, independentemente do território físico geográfico em que essa cultura se encontra. Como enfrentamento a esse modo de necroexistência que o colonialismo mantém sobretudo em periferias e comunidades remanescente de quilombos, Nêgo Bispo aponta para a contracolonização, ou seja, todos os processos de resistência e de luta em defesa dos territórios de povos contracolonizadores, bem como seus símbolos, significações e modos de vida. Sobre os modos de vida desses povos em seus territórios, contrário ao que se produz com o encarceramento, é possível encontrar convivência comunitária, práticas agrícolas coletivas, rodas de capoeira, terreiros, entre outras expressões e movimentos existenciais-artísticos-culturais os quais, de acordo com a intelectual e historiadora Beatriz Nascimento, compõem um tipo de vida que era africana e foi transmigrada de um continente para outro, de África para América. É nesse sentido que se dão as buscas pelas questões levantadas na pesquisa, plantando e colhendo saberes capazes de abrir caminhos-escutas com sujeitos que, embora sistematicamente atropelados por regimes de poder, são protagonistas na fabulação de mundos a partir de outras lógicas que não essa que produz o encarceramento. Além disso, outro impacto social importante com este trabalho é poder discutir, sob epstemologias contracoloniais, atuações profissionais não só na implementação do atendimento socioeducativo realizado pelas equipes técnicas do Sistema Socioeducativo, que têm a presença da(o) profissional da psicologia como indispensável, como também em outros espaços que se relacionam ao campo-tema. O projeto ainda está sendo tecido e, portanto, a experiência de ir em busca das questões e caminhos também. Apesar disso, até o momento, temos vivenciado experiências de desacomodação na busca por fontes de saberes e ORIentações teórico-metodológicas, inclusive, atentando à oralidade tanto quanto à escrita, dando força à potência-palavra. Também, mesmo diante de tantas devastações nesse mundo pandêmico, o recurso audiovisual passou a ser mais utilizado, tornando ainda mais circular esses saberes transmitidos oralmente. Assim, estamos nutrindo a pesquisa de cirandas audiovisuais com Nego Bispo, Sueli Carneiro, Rufino, Ailton Krenak, Marina Niambe, Beatriz Nascimento, anciãos e anciãs de quilombos entre outres.


Palavras-chave: Encarceramento. Medidas Socioeducativas. Colonialismo. Epistemologias contracoloniais.

Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO