Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
Reflorestando a psicologia para potencializar mundos e vidas indígenas: relato de oficinas de intervenção psicossocial
João Gabriel Modesto (Universidade Federal da Bahia)
Francinai Gomes (Universidade Federal da Bahia)
João Batista de Brito Braga Alves (Universidade Federal da Bahia)
Mônica Lima (Universidade Federal da Bahia)
Resumo: O presente relato de experiência discorre sobre a realização da oficina Reflorestando a psicologia: plantando sementes indígenas na formação. A partir dela, buscamos refletir sobre os sentidos construídos em torno da população indígena entre os estudantes de um curso de graduação em Psicologia. A sua elaboração foi fruto da mobilização de discentes que reivindicam a demarcação das questões indígenas nos espaços teórico-práticos da universidade, passando a integrar um projeto de iniciação a aprendizagens profissionais, financiado pela Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil da Universidade Federal da Bahia (PROAE/UFBA) e desenvolvido no curso de Psicologia da mesma instituição. A oficina, entendida como intervenção psicossocial a partir da concepção adotada por Maria Lúcia Afonso, foi construída em encontros semanais direcionados ao estudo de produções de autores indígenas e negros, como Ailton Krenak, Anahata, Cida Bento, Elisa Pankararu, Geni Nuñez, Kabengele Munanga, Linda Tuhiwai Smith etc. sobre conceitos-chave como colonialismo, racismo anti-indígena, diferença identitária, sistema racial bipolar, pacto/indignação narcísica, branqueamento, miscigenação, atenção à saúde diferenciada, saúde mental indígena, educação escolar indígena e Bem Viver. Além da equipe executora, o planejamento da atividade teve a participação de indígenas estudantes do referido curso, que aprovaram o enquadramento da oficina, estruturada em temas geradores, que foram definidos ao considerar a sua pertinência ética e política para promoção do debate e transformação social no contexto aplicado. Em disciplinas obrigatórias e optativas, de diferentes semestres, foram realizadas quatro oficinas em formato virtual com média de 25 estudantes presentes em cada encontro. Utilizando-se o software mentimeter, com o recurso de produção de nuvens de palavras, os participantes foram incentivados a responder às seguintes questões: a) “O que é ser índio?”, na qual foi possível refletir sobre a diversidade dos 305 povos originários existentes no país e o direito à diferença identitária, garantido pela Constituição Federal de 1988, além dos processos de indianização e de apagamento e invisibilização executados pelo Estado e agentes sociais brasileiros mediante a imposição de identidades laborais e étnico-raciais (ribeirinhos, camponeses, pescadores, pardos etc.) sobre os indígenas; O tema gerador b) “O que explicaria a invisibilidade de/do ser indígena no curso de Psicologia?” teve o imperialismo, colonização/colonialismo e capitalismo como respostas. O sistema racial bipolar, o racismo, o etnocídio, epistemicídio e miscigenação também foram elencados como fatores multicausais da produção do não-lugar de/do ser indígena na sociedade e no curso de Psicologia. Para suscitar reflexões que permitissem responder à questão, c) “Como a igualdade étnico-racial pode ser esboçada no curso de Psicologia?”, aos participantes, foi exibido o vídeo “Carta de conscientização aos privilegiados”, da artista indígena Kae Guajajara, disponibilizado na plataforma instagram. As nuvens de palavras produzidas pelos participantes apontaram a falsa ideia de neutralidade científica, a importância da justiça cognitiva e do rompimento com o pacto/indignação narcísica da branquitude e acerca da capacitação e implicação profissional em Psicologia quanto ao sofrimento psicossocial indígena, a exemplo dos processos de alcoolização, violências, medicalização, suicídio e outras questões, que caracterizam o desenvolvimento subjetivo dos povos e comunidades indígenas. O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI), componente do Sistema Único de Saúde (SUS), e a Educação Escolar Indígena (EEI), de caráter pedagógico etnicamente diferenciado, também foram sinalizados como potenciais campos de atuação profissional em Psicologia. As políticas públicas, dentre elas a de acesso ao ensino superior, tanto pelos indígenas discentes quanto pelos indígenas docentes, foram elencadas como meio para esboçar a igualdade étnico-racial na sociedade em geral e, especificamente, no curso de Psicologia. Ainda, cabe mencionar a etapa de avaliação das oficinas, através de formulário virtual, no qual os participantes descreveram sugestões e apontaram potencialidades, no que diz respeito à importância da iniciativa e da satisfação de ter contribuído para sua execução, bem como os desafios enfrentados, a exemplo do grau de dificuldade para responder a terceira questão quando comparada às demais. Diante deste relato, concluímos que sementes indígenas foram plantadas na formação de alguns participantes, bem como outras sementes, que haviam lá, na forma de indígenas estudantes e de outros discentes, já mobilizados pela temática, foram regadas e cultivadas em pról do seu germinar em um território arenoso como o da Psicologia. Acreditamos que mais iniciativas, semelhantes ou diferentes desta, mas com horizontes ético-políticos de lutas, atuação profissional e construção de conhecimento socialmente comprometidos com com as questões indígenas sejam um caminho para reflorestar a Psicologia e garantir a reparação de feridas coloniais mediante a construção de um Estado plurinacional e do incentivo ao pluralismo epistêmico, que tanto reconheça como potencialize as existências de outros mundos e vidas originárias.
Palavras-chave: Povos Indígenas; Formação em Psicologia; Intervenção Psicossocial.