Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
Aquilombamento como processo de tornar-se negro
Bruno Vieira dos Santos (UFPE)
Gioconda de Sousa Silva Lima (UFPE)
Resumo: Para além de um território físico ocupado por pessoas divergentes do regime escravocrata, uma organização política, social e cultural realizada pelos/as negros/as durante o período colonial como resistência à escravatura, o quilombo é uma estratégia política e ontológica para o empreendimento de resistências e enfrentamentos ao racismo, manifesto em diversas formas. Tecnologia que atravessa gerações, o processo de aquilombamento é baseado no acolhimento, no fortalecimento e na organização das coletividades negras com formas, mecanismos e ferramentas que se modificam com o tempo, mas cujo significado (de resistência à opressão) permanece. Essa tecnologia ancestral parece orientar, de maneira assertiva, as ações empreendidas pelas pessoas negras que se encontram interessadas em construir redes contemporâneas de sociabilidade, colaboração e organização promovendo um ambiente de afeto e resistência (RABELO, 2021; SOUTO, 2021). É nessa atmosfera de perspectiva aquilombada que acreditamos haver a construção de subjetividades positivadas por um processo de autorrecuperação, que resumidamente é o ato de tornar-se sujeito em um movimento pessoal e coletivo no qual a pessoa oprimida sai do lugar de objetificação a partir de um discurso libertador (hooks, 2019). Conectando-se com “os esforços de educar para uma consciência crítica, para criar resistência efetiva e significativa, para fazer a transformação revolucionária” (hooks, 2019, p. 76), o aquilombamento seria o background ontológico, epistêmico e político que promove a consciência crítica coletiva do sujeito acerca da realidade, estimulando o empreendimento de ações que enfrentem as opressões. Observar o quilombo não apenas como um território físico, mas também cosmológico e sensível, permite que enxerguemos as diversas formas de retomada da história negra e recriação das potencialidades dessa população. Trata-se de compreender o processo ideológico que estruturou a psique negra e, de posse desse ‘awareness’, criar um novo entendimento de si e de grupo, revelando que “ser negro não é uma condição dada, a priori. [Mas] É um vir a ser. Ser negro é tornar-se negro” (SOUZA, 1983, p. 77). Neste minicurso, propomos discutir o conceito de quilombo à luz dos dias atuais, perguntando-nos o que significa aquilombar-se hoje em dia. Visto que na história brasileira nunca houve um momento em que a população negra não tivesse que articular estratégias de sobrevivência e resistência, o aquilombamento atravessa o tempo e se converte de memória e instituição a metodologia de organização e tecnologia social em constante adaptação. Cruzando possibilidades teóricas, epistemológicas e metodológicas, este minicurso baseia-se numa tentativa de mostrar uma forma possível de se enfrentar o epistemicídio que nos mata desde a mente, causando os males psíquicos da loucura, da depressão, da autoestima baixa. E, também, entender como podemos dialogar com uma Psicologia comprometida com a construção de debates sobre a subjetividade da população negra e o enfrentamento ao racismo. Conteúdo programático: Introdução: informações sobre o minicurso e bibliografias possíveis. Quilombo: uma tecnologia que atravessa o tempo (exposição teórica). Neste momento, faremos uma conversa sobre a formação dos quilombos no Brasil e como eles se constituíram numa efetiva estratégia de enfrentamento ao Colonialismo. Aqui também iremos visualizar o quilombo de maneira “atemporal”, como um processo que atravessa os tempos e se reatualiza conforme as eras. Trazemos Beatriz do Nascimento, Abdias do Nascimento, Clóvis Moura e outros autores/as para embasar o diálogo. Narrativas aquilombadas: autorrecuperação em vista. Neste momento, faremos uma conversa coletiva e apresentaremos algumas estratégias que podem ser consideradas de aquilombamento. Vamos compreender o que significa aquilombar-se hoje em dia (como o conceito se torna uma importante peça para a autorrecuperação da pessoa negra). A proposta é debater menos o formato das ações e mais o subsídio ontológico que orienta tais ações, e listá-las de forma que possamos conhecê-las. Onde há, no Nordeste brasileiro, ações que podemos ler sob essa lente?.
Palavras-chave: Aquilombamento; Processos de Subjetivação; População Negra; Autorrecuperação.