Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
Recuperação da memória como prática de resistência comunitária: interlocuções possíveis entre a Museologia Social e a Psicologia Social Crítica
Nathára Vieira Gonzaga
(Universidade Federal do Recôncavo da Bahia)
José Fernando Andrade Costa
(Universidade Estadual de Feira de Santana)
Este trabalho trata da possibilidade de diálogo interdisciplinar entre o campo da Museologia Social e da Psicologia Social Crítica latino-americana a partir do tema da memória coletiva como prática de luta e resistência comunitária. Os usos e disputas em torno da memória e da rememoração são parte constitutiva da conjuntura política e social de cada época. Para Ignácio Martín-Baró (1986), recuperar a memória histórica das maiorias populares é uma tarefa urgente para a Psicologia da Libertação latino-americana. Myrian Sepúlveda dos Santos (2009) mostra que a memória social aparece ora como redentora da tradição”, no sentido de que nos preserva do pesadelo da perda da capacidade de lembrar - isto é, da perda dos elos comunitários e do aprendizado derivado da capacidade de reconhecer o vínculo com o passado, sem os quais corremos o risco de esquecer que esquecemos e, portanto, tornar “destino” formas de vida opressoras e injustas -, ora a memória aparece meio para a crítica do presente e, consequentemente, como fermento para lutas de transformação social - no sentido de que a discussão em torno da memória pode ser utilizada para a elaboração de narrativas contra-hegemônicas e decoloniais protagonizadas por comunidades historicamente apartadas das narrativas da história oficial. Considerando a centralidade da memória para os processos de construção da identidade coletiva e autodeterminação das comunidades, cabe indagar: como potencializar a luta e a resistência comunitária a partir das práticas de rememoração coletiva? Para refletir sobre essa questão, nosso objetivo é discutir as especificidades e possibilidades de interlocução entre os campos da Museologia Social e da Psicologia Social Crítica, visando contribuir para o fortalecimento de ambos os campos e, por consequência, das ferramentas para a práxis comunitária. Na década de 1970, o campo da Museologia passou por uma mudança radical com a emergência da chamada Museologia Social na América Latina. A “Carta de Santiago do Chile” defende que os museus possam estar integrados ao contexto sócio-territorial ou temático nos quais se inserem, visando transcender a função de “guardiões da memória” para tornarem-se partícipes dos processos de resolução dos problemas sociais que os cercam. Nesse sentido, o museu deve servir para a formação da consciência crítica das comunidades a que serve e contribuir ativamente para o engajamento dessas comunidades na ação cultural transformadora. O desenvolvimento da Museologia Social brasileira ocorre nesse sentido, principalmente após a Política Nacional dos Museus de 2003, com o reconhecimento da necessidade de elaborar a memória a partir das narrativas das comunidades tratadas como periféricas, abordando temas do cotidiano, debatendo preconceitos, evidenciando lutas, conquistas e valorizando as expressões locais que têm historicamente pouca ressonância nos museus tradicionais. Museus passam, portanto, a serem vistos como atores a serviço da sociedade, assumindo o compromisso político de uma gestão participativa que contribua para ampliar a percepção crítica acerca da realidade cultural brasileira. Assim, a memória é afirmada enquanto um direito e demanda políticas públicas específicas para fomentar e zelar pela preservação do patrimônio histórico, incentivar a formação de museus comunitários, ecomuseus e pontos de memória. Para atingir esse objetivo, a Museologia Social pode se beneficiar do diálogo como os conhecimentos desenvolvidos no campo da Psicologia Social Crítica. Para esse ramo da Psicologia, sobretudo em sua vertente comunitária latino-americana, são centrais os processos psicossociais de fortalecimento (empoderamento), conscientização, desideologização, participação, identidade, afetividade e luta social, entre outros, além da abertura para os saberes tradicionais das próprias comunidades. Por meio do trabalho com grupos comunitários e da crítica ao fatalismo, busca-se trabalhar em, com e para as comunidades de modo a promover o exercício da cidadania ativa e o fortalecimento psicossocial. Não é raro, portanto, que o trabalho psicossocial comunitário ocorra em torno da recuperação da memória comunitária. Assim, os aportes da Museologia Social e da Psicologia Social Crítica podem ser combinados para potencializar processos de luta e resistência comunitária. Pode haver também desafios e limitações comuns a ambos os campos, sobretudo quanto ao financiamento e institucionalização das práticas. No entanto, para realizar um trabalho efetivamente transformador, é necessário romper com as barreiras da ultraespecialização acadêmica e exercitar o diálogo entre diferentes (in)disciplinas e campos do saber, incluindo as próprias comunidades - que, em geral, são as protagonistas da mudança. Referências: Martín-Baró, I. (1986). Hacia una psicología de la liberación. Boletín de Psicología UCA, 22, 219-231. Santos, M. S. (2009). Memória Coletiva & Teoria Social. São Paulo, SP: Annablume.
Palavras-chave: Memória; Comunidade; Museologia Social; Psicologia Social.