Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
Produção de subjetividades tropicais e regimes algorítmicos neoliberais: um problema ético e técnico
Camila Pereira Alves - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Vanessa Soares Maurente - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Resumo: Produção de subjetividade é um conceito caro para as ciências humanas, especialmente para a psicologia social brasileira. Pensada como um processo permanentemente aberto e em composição com a multiplicidade, agenciada por fluxos de intensidade na imanência da vida, situar a compreensão do humano a partir de processos de subjetivação é também afirmar que a subjetividade não cabe na separação cartesiana hegemonicamente defendida entre mente e corpo, indivíduo e sociedade, humano e máquina. As subjetividades estão cada vez mais atreladas aos sistemas maquínicos, especialmente em relação às técnicas da informática e, atualmente podemos dizer, à inteligência artificial. O sistema neoliberal tem se alimentado da mais-valia de potência da criação humana. Esse élan vital que possibilita a criação e a invenção de modos de resistência micropolíticos diante da desubjetivação capitalística é manipulado por imagens, signos, técnicas.., para que tão logo sejam inventadas possibilidades de resistências e furos no discurso colonial instituído de valores neoliberais, essa energia seja reterritorializada em padrões de subjetividades já definidas pelo capitalismo (padrões, normas, bolhas digitais). Diante disso, temos problematizado: como sustentar uma imaginação tecnopolítica prenhe de sentidos e que faça proliferar modos de habitar o mundo na experiência de digitalização, diante do atual modo de controle dos processos de subjetivação algoritmizados? A chamada inteligência artificial opera através da programação de um código – algoritmo que objetiva reconhecer padrões (estipulados pela programação do modelo), a partir de inputs decorrentes do acesso a uma base de dados específica. As informações datificadas são coletadas, armazenadas, selecionadas e processadas através da predição que o código faz aos dados para promover o reconhecimento de determinado padrão. Não há um consenso na comunidade científica sobre a definição de inteligência artificial, mas na sua base e princípios constam várias teorias psicológicas e comportamentais, algumas já em desuso e mesmo sem comprovação científica, como a teoria dos cinco fatores. Ou seja, as técnicas de inteligência artificial tem se desenvolvido a partir dos saberes psicológicos, estando as psicólogas diretamente envolvidas com as programações algorítmicas ou não. Informática e Psicologia desde sempre andam juntas. Tornando-se premente que a Psicologia Social também adentre esse campo e componha as discussões éticas em torno das técnicas de relação máquina-humano. Relacionar-se com as tecnologias digitais já não é questão de escolha racional de conexão, mas sim, sobreposição de pele e carbono que fazem composições corpóreas, produzindo parte da experiência maquínica de tornar-se humano na contemporaneidade. O ideal de pureza da corporeidade humana acolhe perspectivas que mantém a relação humano-máquina em disputa e concorrência de domínio, tal como, os pressupostos exprimidos por correntes tecnocráticas neoliberais que propõem a inteligência artificial como modo de domínio do mundo e substituta da experiência humana. Nesse sentido, observamos que técnicas algorítmicas desenvolvidas a partir da ética neoliberal são danosas para a reconstrução de uma sociedade radicalmente democrática, já que a alienação técnica, opacidade dos códigos programados, racismo algorítmico, termos de uso e política de privacidade de plataformas não transparentes e data centers localizados além-mar se tornaram analisadores de um problema que reconfigura os sistemas de dominação do capital através do colonialismo digital. O extrativismo de dados e a privatização de infraestruturas digitais põem em risco as possibilidades de um presente-futuro alicerçado na garantia radical dos direitos humanos e na soberania nacional no que tange às diversas camadas digitais do ecossistema. Este trabalho encontra-se em fase inicial, desde onde nos aproximamos de pares que estão ocupados com esse tema e perseguimos evidências que desnaturalizem o uso das tecnologias como simples técnicas de mediação técnica da vida, reconhecendo-as como ambientes e compreendendo que falar de produção de subjetividade implica ocupar-se das dinâmicas e fluxos do ecossistema digital em sua importância ética e tecnopolítica. Ainda estamos desenvolvendo os primeiros movimentos dessa pesquisa, mas sustentadas pela revisão bibliográfica e hipóteses cartográficas, argumentamos que as tecnologias de inteligência artificial podem ser aliadas na composição de resistências contracoloniais. A pista que seguimos nesse momento nos faz investigar a hipóteses de que corpus diversos, localizados nesse sul global, Brasil, podem produzir um modo técnico de programação também diverso. Programação diversa que pode compor modos de relação que abram possibilidades de linhas de fuga e dobras na produção heterogênea de outros mundos. Apostamos na invenção de regimes algorítmicos que possam se afirmar através de narrativas de/contra/anticoloniais, que atuem como entidades de abertura dos padrões normatizados e que componham tecnicamente a sustentação das relações humanas e não-humanas de um paradigma ético-estético-político, de invenção permanente da vida e de modos locais e diversos de viver na Terra. Outra pista que delineamos ao mirar o campo da investigação, propõe percorrer territórios com cosmopolíticas diversas para composição de cosmotécnicas que não a neoliberal ainda hegemonicamente presente em nossas máquinas e subjetividades.
Palavras-chave: Produção de Subjetividades; Tecnopolíticas; Regimes Algorítmicos; Narrativas Contracolonias.