Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO 

VOL. VIII, 2022

PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS

ISSN 2965-226X

Política de saúde mental e desmontes: histórias de resistência de um CAPS AD

Tathina Lucio Braga Netto - Universidade Federal de Alagoas

Martha Barbosa Pereira - Universidade Federal de Alagoas

Resumo: Este trabalho visa problematizar a política neoliberal manicomial de gestão municipal e discutir como as resistências de profissionais e usuários têm mantido práticas antimanicomiais para permanência de um CAPS AD localizado no município de Arapiraca, no interior de Alagoas. Materiais para realização das atividades grupais, alimentação para usuárias/os, bem como combustível para transporte destas/es, são condições mínimas para funcionamento de um CAPS, o qual compreende como imprescindível um acompanhamento próximo e territorial. No entanto, a escassez de longa data de tais recursos nos remete à insistente lógica manicomial, além de um discurso neoliberal que outorga aos profissionais a responsabilidade de gerir o serviço sem condições para as tais. Além disso, a falta de insumos dificulta a permanência dos/as usuários/as, uma vez que restringe o serviço a uma rotina ambulatorial. Usuários e usuárias comentam sobre rotina não mais possível, como participar de atividades em dois turnos ou maior frequência no serviço, limitações devido à ausência de alimento e transporte. Esses aspectos possibilitam o fortalecimento de comunidades terapêuticas e serviços de privação de liberdade. Diante disso, ações integradas da equipe em saúde mental são formas de resistência frente à precarização, (re)inventando formas de agir. Dessa forma, uma estratégia utilizada foi trabalhar com o tema “projeto de vida” em oficinas terapêuticas, produzindo-se diversos subtemas para diferentes encontros. Estes não foram previamente estruturados; cada organização decorreu do que surgiu em oficina anterior. Como dispositivo inicial, em dezembro de 2021, produziu-se coletivamente um painel, que posteriormente foi nomeado pelos/as participantes de “retrosflexão”. Tratou-se de uma montagem com recorte de revistas e colagem para expressar como havia sido a vivência de cada um naquele ano. Foi destacado que deveria haver um sentido para cada um, pois a proposta seria que conversássemos posteriormente. Seguindo esta linha, a oficina seguinte que ocorreu no início de 2022 teve como proposta pensar o que é projeto de vida e quais planos para o ano vindouro. Desta vez, o método foi desenho ou escrita em papeis. Em oficinas posteriores, outros temas foram trabalhados dentro de projeto de vida, como vínculos, lazer, orientações em saúde física e mental, utilizando materiais diversos possíveis a partir de reciclagem e criatividade, como música, alguns itens de papelaria, imagens, fala e escuta.A partir dessas experiências junto aos usuários e usuárias, observou-se a importância de tratar de um tema como projeto de vida em um momento histórico permeado pelas consequências da pandemia decorrente do Corona Vírus 2019 (COVID-19), o qual foi ponto de ruptura para todos. Os e as participantes foram convocados/as a repensar antigos modos de vida e coisas que gostavam, bem como o que poderia ser resgatado e novas possibilidades para o futuro. Além disso, destaca-se as potencialidades das ações coletivas em um CAPS, a exemplo da discussão entre participantes de temas transversais que emergiram frequentemente: o tratamento degradante em comunidades terapêuticas e como o racismo acompanha o estereótipo de drogado/a. Assim, marginalizados na sociedade pela condição de uso de substâncias, tal assujeitamento persiste mesmo em casos em que não há mais o uso. Esse ponto nos parece relevante à medida que nos provocou a pensar em uma continuidade interventiva do CAPS em território, a fim de, além de promover um acompanhamento próximo aos usuários e usuárias, combater estereótipos como de segregação destes em relação à sociedade. Dessa forma, ressalta-se a importância de ações de resistência na continuidade do serviço que façam frente à lógica manicomial de sucateamento do CAPS expresso pelo não provimento de insumos básicos para um funcionamento adequado. Assim, o serviço segue com as propostas de oficinas e atividades grupais, utilizando-se de materiais reciclados e em frequência reduzida a partir de combinações com os usuários. No entanto, há desgastes e limites no processo. Ainda que na fragilidade das ações possibilitadas pela equipe frente ao projeto de sucateamento do serviço, os/as usuários/as relatam gostar das atividades e que desejam haver outras. Assim, percebe-se a potência de práticas coletivas em saúde mental, que têm caráter terapêutico fundamental em um CAPS.


Palavras-chave: Neoliberal, antimanicomial, resistência.

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