Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO 

VOL. VIII, 2022

PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS

ISSN 2965-226X

Pornografia e cartografia: um relato de criação de pesquisa

Júlio César Florencio de Almeida - Universidade Federal do Espírito Santo

Érika de Sousa Mendonça - Universidade de Pernambuco

Resumo: O presente relato se baseia na experiência da realização de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), inspirado na cartografia queer, no espaço da graduação em Psicologia. Tratar da pornografia, num âmbito geral, gera tensão e polêmicas devido a estigmatização do sexo, da masturbação e da prostituição e no campo da Psicologia não é diferente. Nessa direção, o TCC se preocupou em cartografar espaços pornográficos gays no Twitter a partir da experiência do pesquisador-cartógrafo inserido em campo. Tendo passado um tempo após os processos que respondiam prazos e preocupações acadêmicas mais fortes, esta reflexão se volta às construções necessárias para a realização da pesquisa, principalmente na construção do pesquisador-cartógrafo. Pensando a cartografia, deve-se colocar no centro as experiências que compõem o cartógrafo que foi a campo: desde criança ocupo o Twitter e desde a pré-adolescência, as páginas pornográficas consumindo e por vezes produzindo e trocando conteúdo com outras pessoas. Da inocência de fazer amizades na virtualidade de 2009, à descoberta de sua própria homossexualidade mais tarde através do pornô, até as mais recentes mudanças no cenário pornográfico, ocupando com seus conteúdos todas as redes sociais mais utilizadas no mundo: Instagram, Twitter, Snapchat, Telegram e etc. Em minha vida pessoal, já ocupava e observava esses ambientes como poderosos produtores de subjetividades. Minha sexualidade e letramento digitais foram evoluindo junto aos algoritmos. Estes, se compondo aos sites, se organizaram como os hormônios em meu corpo: potencializando, agenciando, subjetivando. Foi a partir dessas experiências que bricolei e gozei a pesquisa. Se Deleuze e Guattari pensavam em enrabar autores, penso em masturbar a Academia. A imersão se deu na criação de um perfil em que a foto de perfil, assim como os demais perfis anônimos da plataforma, mostrava uma parte do corpo que se gostava. No meu caso, era o peitoral. O nome seguiu a localização para facilitar o algoritmo da plataforma: curioso pe (Pernambuco). As páginas seguidas, os likes e repostagens, do conteúdo que eu gostava, que era pornografia direcionada ao público gay. Embora haja todo esse aparato, não houve exposição genital, troca de fotos nem diálogos que levassem a um encontro, porém, isso não impediu o desejo de se movimentar. Várias pessoas me perguntavam se eu me masturbava fazendo minha pesquisa. Ora, o desejo em saber se ejaculo minha pesquisa se dá por mera curiosidade ou desejo de fazer o mesmo? O que importa é que meu desejo ocupava, se fazia e desfazia naquele espaço, e os efeitos que senti, desde as ereções, passando pelas recomendações do próprio Twitter de conteúdos feitos por adolescentes, até os efeitos de pau com burnout, uma baixa enorme na libido, que penso ser devido ao consumo tão grande que é ocupar as redes dessa forma, foram o que direcionaram a análise e escrita. Foi possível refletir muita coisa, porém, o mais central, foi sentir como o meu desejo ocupa esse espaço. O corpo do pesquisador-cartógrafo se fez junto ao campo, da mesma forma que a criança e adolescente, anos atrás, se fez junto aos sites. Em vias de finalizar esta conversa, me recordo que houve mais de setenta pessoas para assistir a apresentação que não foi tão divulgada devido a mudança para a modalidade online. Curiosidade? Necessidade? Não sei ao certo, mas a movimentação dessa pesquisa em mim, e talvez nessas pessoas, seja como uma orgia, não se sabe ao certo de quem é o quê, apenas se sente os fluídos e órgãos.


Palavras-chave: Cartografia; Esquizoanálise; Pornografia.

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