Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO 

VOL. VIII, 2022

PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS

ISSN 2965-226X

A heterotopia positiva como espaço de possibilidades

Marcela Montalvão Teti - Faculdade São Luís de França

Resumo: O tempo nos escritos de Michel Foucault é objeto central de pesquisa. Nos seus livros, percebemos o tratamento da antiguidade, da idade clássica, da idade moderna. Poucas vezes, observamos Foucault trabalhar a noção de espaço. Em textos como “Sobre a geografia”, presente em Microfísica do poder, Foucault sinaliza a necessidade de colocar em prática nova analítica que leve em conta a variável espacial. Embora ele não mencione diretamente sobre que espaço realiza suas investigações históricas sabemos que se trata da Europa ocidental, sinalizando que o espaço é importante vetor de análise. No texto “Outros espaços” da coleção Ditos e Escritos, Foucault propõe uma analítica dos espaços, a que ele chama de heterotopologia. Ali, sinaliza que seu interesse de investigação nunca foi o espaço de dentro, mas sim o espaço de fora, o que vem a chamar de heterotopia. Para analisa-los, o autor estabelece alguns princípios. Inicialmente, a heterotopia se diferencia da utopia, pois aquela se realiza e está presente na vida dos indivíduos em qualquer sociedade. Em seguida, ele indica que as heterotopias desempenham uma função específica dentro de cada sociedade. Elas são espaços diferentes da maioria dos espaços da sociedade, mas estão em constante comunicação com ela. As heterotopias são lugares em que o tempo é recortado, são heterocrônicos. Elas têm a habilidade de sobrepor diversos posicionamentos em um único lugar e operacionalizam duas funções subjetivas em quem as frequenta: a de ser um espaço de ilusão ou de compensação. Em outros espaços, observamos Foucault chamar de heterotopia eventos como as festas, a noite de núpcias, locais como os museus, cemitérios, praia, o navio, dando a entender que o espaço heterotópico funda um universo que se diversifica do espaço cotidiano. Em muitos casos, aparenta que a heterotopia é um espaço de fuga e de práticas de liberdade, de resistência ao modus operandi da vida cotidiana civilizada. No entanto, se nos debruçamos sobre os escritos em que resultaram seus livros, observamos que os espaços de disciplina e de biopolítica e de poder por ele denunciados, são também heterotopias. As prisões, os manicômios, os hotéis de turismo como o Club Mediterranée são espaços que também se distanciam do cotidiano, são heterocrônicos, e servem de compensação a uma realidade que falta àquela da vida civilizada. As heterotopias de seus livros são encarceradoras, constitutivas do delinquente, do louco, do sujeito do desejo, com funções opostas àquelas apresentadas no texto “Outros espaços”. Poderíamos, portanto, dizer que as heterotopias dos livros são espaços negativos, inclinados a produzir determinados tipos de indivíduos, a objetivar homogeneizando corpos. Tais leituras e interpretações nos deixam a reflexão de que para além dos espaços que encarceram, Foucault reflete sobre os espaços de liberdade, ou como diria Gilles Deleuze espaços que produzem linhas de fuga, que potencializam a vida. Em um momento como o nosso, encarcerados pela Pandemia da COVID-19, mediados ainda por uma vida remota, organizada por um governo facista e terrorista, resta-nos pensar e produzir espaços outros, que nos oportunize produzir novos modos de subjetivar, novos modos de existir.


Palavras-chave: heterotopia; linhas de fuga; práticas de liberdade.

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