Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
Os sentidos do cuidado integral no trabalho da enfermagem a partir do contexto pandêmico
Victória Amorim da Silva (Universidade Federal do Maranhão - UFMA)
Resumo: O presente estudo integra um projeto maior, em andamento, desenvolvido por um grupo de pesquisa vinculado ao Departamento de Psicologia da UFMA, que tem como tema central as repercussões da pandemia na subjetividade de profissionais de enfermagem em processo de aposentadoria. O objetivo geral deste ensaio é analisar os sentidos do cuidado para os profissionais de enfermagem em processo de aposentadoria a partir do contexto de pandemia da COVID-19. O percurso metodológico se fundamenta na metodologia qualitativa, com discussão da literatura, complementada por entrevistas com 10 profissionais de enfermagem, incluindo 6 técnicos e 4 enfermeiros, sendo 1 homem e 9 mulheres. Diante dos depoimentos obtidos, foi realizada a Análise Crítica do Discurso (ACD) sob a ótica da Teoria Social do Discurso de Norman Fairclough, uma vez que possibilita a reflexão do discurso social e cultural, convergindo com o método conceitual da Psicodinâmica do Trabalho e da Psicologia Histórico-social. O cuidado é o cerne da Enfermagem, é a essência do exercício profissional da categoria em questão. O cuidado em saúde não fica restrito a um procedimento técnico, abrange uma ação integral que tem significados e sentidos voltados para compreensão em saúde como direito do indivíduo (PEDROSA; POLEJACK, 2016). A perspectiva do cuidado integral considera e respeita as diferenças das pessoas e as necessidades específicas de cada um, baseando-se na subjetividade dos pacientes. Contudo, o cuidado para ser realizado em sua plenitude e excelência encontra dificuldades. Os modelos de saúde predominantes nas instituições priorizam a rapidez de atendimentos e o alcance de metas, não focando na humanização das relações, desse modo a assistência ao paciente fica comprometida (FONSECA; SÁ, 2015). O diálogo entre paciente e profissional é apontado como uma das barreiras na prestação do cuidado, além da dificuldade em estabelecer uma relação e acompanhamento com esse indivíduo, ocorrendo apenas um cuidado superficial e técnico. Chama a atenção o fato de apesar do profissional de saúde dominar conhecimentos e técnicas para cuidar da saúde, negligenciar o próprio cuidado. Várias razões são apontadas frente a tal negligenciamento, dentre elas: a priorização da assistência do paciente, a alta cobrança de produtividade e a escassez de tempo. Nessa direção, ficam comprometidas tanto a qualidade do atendimento, como a saúde dos profissionais de enfermagem (PEDROSA; POLEJACK, 2016). Nesta pesquisa, constatou-se que o sentido do trabalho para os profissionais de enfermagem está estreitamente ligado ao cuidado. Os profissionais relatam que a possibilidade de exercer o cuidado ao outro foi uma das principais razões pela escolha da profissão e demonstraram que o cuidado na profissão remete a ajuda ao próximo, a servir o outro. Revelaram possuir admiração por esta área pela contribuição que esta tem junto aos pacientes e à sociedade. Percebeu-se também que o sentido do cuidado para o profissional em enfermagem vai além de sua atuação como profissional nos espaços de trabalho formal, uma vez que esses profissionais se preocupam em exercer o cuidado, de forma complementar, com seus familiares, vizinhos e até desconhecidos. Eles relatam que a partir de sua formação técnica buscam ajudar as pessoas próximas e, aqueles que estão em vias de aposentadoria, tem o desejo de continuar exercendo o trabalho de cuidado de forma voluntária. No contexto da pandemia de Covid-19, muitos profissionais da enfermagem que estavam no grupo de risco foram afastados ou realocados para áreas menos intensas em um primeiro momento. Os entrevistados revelaram que o cuidado direto ao paciente gerou incertezas, medo, apreensões, pânico, quadros de ansiedade, dentre outros. Ademais, revelaram que as dificuldades em realizar o cuidado aos pacientes, ocasionadas pelo contexto pandêmico, foram fonte de angústia e sofrimento para esses profissionais. Neste momento específico, o autocuidado se revelou um desafio para os profissionais de enfermagem, pois eles sinalizaram dificuldades para cuidar de si, sobretudo relatando grande receio de adoecer ou de infectar seus familiares. Também percebeu-se uma grande resistência desses profissionais em buscar atendimento quando estavam doentes no período de pandemia. Por fim, entende-se que é importante assinalar a necessidade de realizar estudos que levem em consideração os desafios do cuidado integral no trabalho dos profissionais de enfermagem. Sendo este constructo algo basilar para os profissionais da área, a gestão em saúde não deve ater-se somente aos aspectos quantitativos da atuação desses profissionais, tais como números, indicadores, metas e protocolos, mas sobretudo aproximar-se das dimensões invisíveis e não palpáveis desse trabalho.
Palavras-chave: Trabalho; Enfermagem; Cuidado; Pandemia de Covid-19.