Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO 

VOL. VIII, 2022

PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS

ISSN 2965-226X

Os impactos sobre o tornar-se psi: implicações da escrita no período de isolamento social

Daniela Barreto do Sacramento, (UFS / UFSB)

Marcos Ribeiro de Melo, (PPGCINE/UFS)

Missandra A. dos Santos Almeida, (UNEB / UFS)

Gibson Levi de Souza Santos (UFS)

Resumo: É 2020, ano de conclusão de curso de mais uma turma de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe. O que nos afasta do sonhado diploma é o Trabalho Monográfico II. Três estudantes prestes ao jubilamento e um professor orientador em constante acolhimento. Se por um lado temos avançado nas questões da adoção de diversos instrumentos globais de comunicação, através das mídias e redes sociais, por outro, ainda não há nada mais poderoso que amor em forma de acolhimento. Nesse tempo de isolamento, não apenas as vulnerabilidades sociais, mas as emocionais vieram à tona e impactaram também nosso processo de escrita. E sobre o quê escreveríamos? Três estudantes declaradamente negros, que norteados por suas diferentes realidades decidem escrever sobre o que os atravessa. Escreviver, como apresenta Conceição Evaristo em Becos da Memória (2017), tenha sido uma das metodologias propícia desse período. Quando o sentimento de solidão que nos desconecta do sentimento maior de pertencimento que nos torna semelhantes aos muitos dos nossos que morrem todos os dias. Sentimento por vezes provocado pela invisibilidade e falta de conhecimento da própria história ou mesmo pelo silenciamento ou não compartilhamento do que sente, nos faz refletir sobre em como somos afetados por políticas de morte, a necropolítica, que sustentada pelo capitalismo cujos corpos negros são alvos da desigualdade e da subalternidade nos fez sentir ainda mais fragilizados (MBEMBE, 2014). Sentimo-nos um corpo, que quando só, como se vivêssemos algo singular, irrepetível e pessoal (Larrosa, 2011), é como se a nossa vida fosse simplória demais e indigna desse amor libertador e cheio de acolhimentos. E, essa percepção não nos permite ver o todo, como seres coletivos, atravessados pelos saberes, experiências e costumes que nos constituem. Acolher a si, acolher ao outro é ressignificar as experiências e potencializar novas expectativas. Longe da repressão de sentimentos, angústias e dores, amar é sobretudo resistir (hooks, 2013). Entre videochamada, ligações e trocas de conversa em aplicativos, quando nos era possível acessar, o que nos tornava acolhidos era o elo de compromisso para além das formalidades acadêmicas. A admiração pela pessoa e o seu trajeto percorrido até ali e o compartilhar das experiências de vida é o que tem nos tornado um pouco mais psicólogos e psicólogas diariamente. A escuta durante o processo de escrita nos tornou mais sensíveis aos atravessamentos uns dos outros enquanto apenas o contato virtual era possível. E o papel do professor, primeiro como ser humano, e a educação com toda as suas definições e conceitos nos permite desenvolver e questionar o papel que exercemos diante da nossa realidade, com as diferenças e alteridades imputadas a nós (Gomes, 1996). Entender a comunicação e suas mídias como espaços-tempos de (in)formação, também como instrumentos de formação em conceitos, procedimentos e atitudes, e por isso importante, nos mostrou que a liberdade que agora necessitamos ainda mais urgente é de sermos protagonistas da própria história e fazer dela instrumento de potencialidades para outrem. Compreender que cada processo do seu desenvolvimento está ligado ao reconhecimento identitário e ao fortalecimento da autoestima, onde as experiências e compartilhamentos no cotidiano da sala de aula nos permite perceber o quanto precisa ser dito por aquelas e aqueles que adentram o espaço escolar - com todos os conhecimentos, saberes e costumes que trazem consigo. E, onde o fortalecimento dos repertórios identitários, valorizando as diferenças como elemento facilitador da construção de uma sociedade realmente plural e democrática. Falar sobre nós, especialmente sobre expectativas e anseios, nunca foi tão pertinente e potencializador como agora estamos vivendo. A crise pandêmica que nos aflige desde 2020, com o período de isolamento e afastamento social escancara e aumenta as desigualdades sociais existentes no nosso cotidiano, e ainda que viver para nós sempre fora um ato de resistência, é preciso uma dose extra para compreender a dimensão desse resistir enquanto ser em formação. Podemos enfim dizer: Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro! (Belchior, 1976) Sobretudo porque presentemente podemos nos considerar esses sujeitos de sorte, cheios de gratidão pelo profissional, que enquanto professor e orientador, fazia com que cada encontro se transformasse em acolhimento, momento de escuta, enquanto compartilhar da escrita monográfica era a oportunidade de ressignificar as angústias. Esse resumo é um tributo de gratidão e agradecimento. Porque acolhimento é a palavra-chave. 


Referências

BELCHIOR, Antônio Carlos. Sujeito de sorte. In: BELCHIOR. Alucinação. São Paulo: PolyGram, 1976.

EVARISTO, Conceição. Becos da Memória. 200p. Rio de Janeiro: Pallas, 2017.

hooks, bell. Vivendo de amor. < Vivendo de Amor Bell Hooks.pdf (olibat.com.br)> Acesso em novembro de 2019.

GOMES, Nilma Lino. Educação, raça e gênero: relações imersas na alteridade. Cadernos Pagu (6-7) 1996: p. 67-82.

LARROSA, Jorge. Experiência e alteridade em educação. Revista Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.19, n2, p.04-27, jul./dez. 2011

MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Tradução Marta lança. Lisboa: Antígona, 2014.


Palavras-chave: acolhimento; isolamento; escrevivência; pandemia; amor.

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