Anais do Encontro Regional Nordeste da ABRAPSO
VOL. VIII, 2022
PSICOLOGIA SOCIAL E PRÁXIS INTERSECCIONAL: DESAFIOS FRENTE À TAREFA DE RECONSTRUÇÃO POLÍTICA DO PAÍS
ISSN 2965-226X
Saberes e Práticas de Cuidado em Comunidades Tradicionais –diálogos interculturais em saúde
Saulo Luders Fernandes (Universidade Federal de Alagoas)
Raul Santos Brito (Universidade Estadual Paulista)
Lilana Parra Valencia (Universidade Copperativa da Colômbia)
Resumo: As experiências que serão apresentadas a seguir foram construídas em diferentes momentos e lugares. Vamos adentrar em práticas de cuidado produzidas em territórios tradicionais do Brasil e da Colômbia. Há momentos que as práticas de cuidado se encontram e seguem um lugar comum entre as comunidades e em outros momentos apresentam expressões singulares produzidas em seus territórios específicos. Importante salientar este campo de similaridades e diferenças entre as comunidades tradicionais, quanto aos seus modos de vida, práticas diárias, formas de organização social e percursos históricos. Apesar das diferenças, as comunidades vivem vivem e experienciam na América Latica o racismo estrutural como marca organizante das relações de violência, marginalização e opressão presentes em seu dia a dia. Frente a estas relações de opressão as comunidades tradicionais constituem uma diversidade de práticas de resistência e reexistênia que vão desde de: os modos de cultivo da terra; as formas de sociabilidade coletiva e comunitária marcadas na vida cotidiana; as práticas narrativas com conto de causos e histórias que alimentam suas memórias e atualizam suas experiências de vida; a relação com as plantas nas práticas de cura e cuidado, com o uso dos chás, fervuras de plantas e garrafadas; experiências com as rezas e benzimentos que possibilitam o alimento do espírito, como expressão não apenas do sujeito, mas da união coletiva; o vínculo com o território e a terra que promove o reconhecimento de suas histórias e de cuidado com o seu viver. Assim, é nesta pluralidade de experiências de cuidado enraizadas e proliferadas nas comunidades tradicionais que temos como objetivo deste minicurso promover o compartilhamento de experiências dos nossos trabalhos em psicologia desenvolvidos em comunidades tradicionais com a proposta de diálogos interculturais em saúde. Os relatos e as analíticas que permearam o mini curso foram frutos de pesquisas e ações de extensões anteriores, de ao menos seis anos de relação com as comunidades tradicionais, equipamentos de saúde, moradores e lideranças comunitárias. As discussões que serão debatidas fazem parte de estudos que desenvolvemos em conjunto, fruto de pesquisas internacionais, pesquisas de mestrado e estudos em desenvolvimento de pós-doutorado. O que há de comum nestes estudos é o objetivo de mapear as práticas para cuidado presentes comunidades tradicionais do Brasil e da Colômbia. Todos os estudos apresentados tem por base a pesquisa qualitativa descritiva baseada em metodologias participativas e colaborativas. Seus desenvolvimentos foram baseados em entrevistas, conversas diárias, caminhadas comunitárias, diários de campo e observação participante. As/Os participantes dos estudos foram moradoras/es, mestres de cuidado de Comunidades Tradicionais. Os grupos tradicionais são definidos pela Convenção nº 169, pela diferenciação das formas de organização social e política relacionada à apropriação da terra e da natureza a seus modos de vida, com histórico de resistência que os diferenciam da totalidade da sociedade. Nesta definição as comunidades quilombolas são incluídas nos termos da Convenção como grupo étnico-racial, que por apresentar histórico de luta à opressão, com formas de organização social, política e expressões culturais específicas, encontram na terra e na natureza formas de perpetuar e construir suas vidas. As comunidades tradicionais podem ser caracterizadas por comunidades com relações específicas com seu território, que, por meio de produções históricas específicas, constituíram, diante das estratégias de dominação e violência sofridas, táticas e processos de subjetivação que resistem aos parâmetros hegemônicos das lógicas colonias modernas. As categorias construídas coletivamente nos estudos que iremos abordar neste minicurso mostram que o ato de cuidar está vinculado à relação que os participantes têm com a terra e o seu território, que são entendidos como espaços de vida, lugar de produção de saberes ancestrais e saberes coletivos. O cuidado não se restringe à dimensão humana, mas a coloca em relação mútua com a natureza como coextensão da vida coletiva compartilhada em comunidades. Outro elemento fundamental foi a palavra e a oralidade que carregam consigo a capacidade de aproximar o campo da experiência da narrativa, uma experiência que, ao ser contada, adquire contornos diversos, adensa as experiências passadas e envolve o outro, permitindo a emergência de uma ética do cuidado coletivo. Este cuidado coletivo também se apresenta nos territórios sagrados das comunidades, em suas práticas espirituais que tem na terra e na natureza seu vínculo à produção do viver compartilhado. Apesar da violência estrutural vivida historicamente pelas comunidades tradicionais na América Latina, elas resistem a partir de seus saberes e práticas que têm a possibilidade de cuidar de seus modos de ser e existir na natureza e nos laços coletivos.
Palavras-chave: Comunidades Tradicionais; Práticas de Cuidado; Psicologia Comunitária; Diálogos interculturais em saúde..